sexta-feira, 18 de outubro de 2013

CRÍTICA DA ÉTICA E DA NATUREZA DA FELICIDADE



























Crítica, no contexto deste autor, será utilizada como a investigação sistemática, portanto desconstrutiva, sobre os limites de um conjunto de conceitos. Meu principal instrumento será a aplicação do método psicanalítico, buscando frestas de ruptura de sentido, onde novos sentidos possam emergir despretensiosamente.
O objeto desta Crítica será, dentro da obra de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), a questão das questões: Qual a melhor vida?
Tomo de empréstimo trechos de um Aristóteles desmistificado, apresentado por Will Durant em sua “A História da Filosofia” (1926).
A Ética, a fundamentação do melhor modo de viver e conviver, era realisticamente simples para Aristóteles. O Professor de Alexandre reconhece explicitamente que o objetivo da vida não é a bondade pela bondade, mas a Felicidade. O Homem por excelência é feliz: tudo o que escolhemos, qualquer opção que possamos fazer, se dá porque acreditamos que seremos felizes. Para Aristóteles, o Destino não diz “seja bom”, mas sim “seja feliz”.
O caminho para se alcançar a Felicidade é a vida da razão, ou seja, o ato do pensar. É sempre bom lembrar que para Aristóteles o ato de pensar é contemplativo, inativo, quase apático. A excelência no ato de pensar encontra-se no caminho do meio, em uma perfeita temperança – o meio-termo justo. O meio-termo justo é alcançado pelo julgamento claro que flutua entre conceitos extremos, como amor e ódio, coragem e covardia, humildade e orgulho. O meio-termo justo é o oposto do excesso ou exagero, assim como da falta de experimentação.
Em conjunto com o meio-termo justo, Aristóteles coloca os bens terrenos e a amizade como instrumentos para se alcançar a Felicidade. A pobreza nos torna vítimas de sentimentos impuros, como a ganância e a mesquinhez, portanto, os bens terrenos oferecem ao sujeito a tranquilidade necessária para o exercício da liberdade do ato de pensar. A amizade traz, segundo nosso filósofo, a possibilidade de compartilhar sentimentos nobres, incluindo a benfeitoria pura, ou seja, sem cobrança, incondicional. Mas Aristóteles ainda coloca a razão, o conhecimento perfeito e a clareza da alma, como a essência da natureza da Felicidade. A Felicidade é o prazer da mente, não buscando nenhum outro fim que não o ato de pensar.

Ele não se expõe desnecessariamente ao perigo, uma vez que são poucas as coisas com que se preocupa o suficiente; mas está disposto, nas grandes crises, a dar até a vida sabendo que em certas condições não vale a pena viver. Está disposto a servir aos homens, embora se envergonhe quando o servem. Fazer um favor é sinal de superioridade; receber um favor é sinal de subordinação... Ele não toma parte em manifestações públicas. (...) É franco quanto as suas antipatias e preferências; fala e age com franqueza, devido a seu desprezo por homens e coisas. (...) Nunca se deixa tomar de admiração, já que a seus olhos nada é excelente. Não consegue viver em complacência para com terceiros, a menos que se trate de um amigo; a complacência é a característica de um escravo. (...) Nunca tem maldade e sempre esquece e passa por cima de injustiças. (...) Não gosta de falar. (...) Não lhe preocupa o fato de que deve ser elogiado ou que outros devam ser censurados. Não fala mal dos outros, mesmo de seus inimigos, a menos que seja com eles mesmos. Seus modos são serenos, sua voz é grave, sua fala é comedida; não costuma ser apressado, pois só se preocupa com poucas coisas; não é dado à Veemência, pois não acha nada muito importante. Uma voz estridente e passos apressados são adquiridos pelo homem através das preocupações. (...) Ele suporta os acidentes da vida com dignidade e graça, tirando o máximo proveito de suas circunstâncias, como um habilidoso general conduz suas limitadas forças com toda a estratégia da guerra. (...) Ele é o melhor amigo de si mesmo e se delicia com a privacidade, ao passo que o homem sem virtude ou capacidade alguma é o pior inimigo de si mesmo e tem medo da solidão.” (Ética)

Este é o homem feliz de Aristóteles.

E se deitássemos no divã o homem feliz aristotélico? Sem leviandade, mas nos permitindo usar de um pouco de ludicidade imaginativa. Ressalto três pontos.

A primeira coisa que me saltaria aos ouvidos é a impossibilidade de isolar Aristóteles de sua Natureza da Felicidade – toda obra contém um pouco de seu autor. Aristóteles foi um filósofo rico. Enquanto reinou a marcha de Alexandre, nosso pensador foi recompensado e presenteado com tudo aquilo que precisava. Dizem que o primeiro zoológico do mundo surgiu com Aristóteles. Nosso filósofo era repleto de ambiguidades – vemos em sua obra o dito “faça o que digo, mas não faça o que faço”. Durante o período abastado, Aristóteles foi bastante contemplativo – o oposto da postura repleta de acalorada paixão de seu professor, Platão. Imaginou um sistema político onde homens do saber dominariam uma massa bruta – sua aristocracia. Com a morte súbita de Alexandre, em 323 a.C., o mundo se reconfigurou para nosso filósofo (praticamente o mundo virou de cabeça para baixo). Enfraquecido sem seu protetor, julgado e condenado por seus adversários, Aristóteles optou pelo exílio, diferentemente de Sócrates, e deixou Atenas. No exílio, acometido de um estado depressivo, decepcionado com o mundo, o pensador morreu solitário.

É interessante a alegação de Nietzsche de que, talvez, o “super-homem” aristotélico fosse uma tentativa (defensiva) dos gregos para conter a sua própria violência e impulsividade de caráter.
O homem feliz de Aristóteles não leva em conta que o sujeito humano é um ser em crise, filho do conflito entre uma imposição civilizatória frente a instintos egoístas e destrutivos. O homem feliz de Aristóteles não questiona o descompasso entre a identidade e a realidade, não compreendendo que o Eu e a Representação – meios pelos quais a vida psíquica há – são trabalhos defensivos advindos da adaptação deste conflito. A Felicidade descrita por nosso filósofo se dá apenas como uma das possibilidades de conciliação, frente a tantas outras.

Para terminar este exercício lúdico (é sempre bom lembrar, pois não pretendo também ser condenado à cicuta ou ao exílio), frente à Teoria das Pulsões, ficamos com a sensação de que o homem feliz de Aristóteles é um apático homem morto. Sem paixão, mas repleto de boas maneiras, provavelmente a libido cobraria, em um momento ou outro, de uma forma ou outra, o juros sintomático de uma felicidade racionalizada (filha do recalque, talvez). O conceito de “justo”, adicionado ao brilhante percurso para se alcançar o meio-termo, seria fatal. Lembro-me de uma “brincadeira” de Fabio Herrmann, que entre o “seio bom” e o “seio mau” deveria existir o “seio mais-ou-menos”.

Estou longe de “criticar” Aristóteles enquanto pensador. Seria uma imprudente e insignificante postura frente àquilo que foi o mais maravilhoso, potente e influente sistema de pensamento já produzido por um único ser humano. Nenhum outro pensador pensou tanto sobre tudo. Que eu seja justo com Aristóteles ao realizar este exercício crítico sobre o “justo” de seu meio-termo em busca da Natureza da Felicidade.



MARCOS INHAUSER SORIANO é psicanalista.

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