Mundo Contemporâneo...
Interessante ideia a de um mundo contemporâneo: amanhã será sempre o
contemporâneo de hoje. O contemporâneo carrega representações daquilo que é do
nosso tempo. Mas qual tempo o nosso? O tempo corre mais rápido que nossas
pernas – não o alcançamos mais. Talvez, hoje, a tecnologia da conexão dite
nosso tempo, sem que nos apercebamos disso.
Estamos
hoje assim, todos conectados. Nossos smartphones, nunca no modelo mais novo,
posto que o novo é muito mais rápido que nossa corrida em busca de tecnologia
avançada, vibram e apitam, nos conectando ao Mundo. Entenda-se, isso não é
ruim... Não faço aqui um apelo romântico-depressivo de como era bom o tempo do
lampião de gás. Hoje somos criaturas humano-tecnológicas, talvez cada vez mais
tecnológicas – no sentido de excesso do termo. Todos nós queremos,
literalmente, sair bem na foto. Como nossos heróis morreram de overdose, ou
viraram franquias cinematográficas, criamos, através da “pseudo-celebridade” (que
particularmente considero um tumor de nosso tempo), a possibilidade de sermos,
nós mesmos, “celebridades”, nos reinventando apressadamente e precipitadamente
a cada minuto.
Nunca
estivemos tão ao alcance de todos e de tudo. Nunca estivemos tão desencontrados.
Não nos encontramos mais, pelo menos a frequência vem diminuindo
vertiginosamente. Estamos a perder a capacidade perceptiva do “olho no olho”,
da leitura primitiva da gestualidade, do famoso clima de “química”, nos
entregando, na maioria das vezes, em um conjunto de textos prontos, palavras
soltas sem sentido, no aguardo de um retorno esvaziado, sem sujeito – pois quem
é o sujeito por trás da frase virtual?
As redes
sociais de todo tipo, múltiplas e muitas, servem para arrumar, arranjar e
ajustar encontros desencontrados. As pessoas adicionam, clicam e esperam. Se o
retorno da clicada não vem, não surge, a angústia torna-se silenciosamente
incomensurável: estamos fora do pretenso encontro, assujeitados à fantasias de
rejeição. Às vezes, esbarramos em persecutoriedade paranoica. Podemos apontar
também para a criação de um micro espaço imperialista, onde deve prevalecer a
ideia de um, em detrimento do todo, considerado como sendo empobrecido resto.
Criamos um império para a celebridade que acreditamos ser: ideias e frases
vazias, ideologias sem fundamento, fotos e mazelas de nosso cotidiano,
correntes e mais correntes de mensagens religiosas de todos os tipos,
mergulhadas em um precipício vazio (e como são irritantes, invasivas,
violentas). Porém, encontramos também, pequenos espaços de discussões críticas
e construtivas, bem fundamentadas, que promovem troca de ideias – pequenos e
raros, mas ricos espaços. No fundo, com raras exceções, queremos apenas ser
notados pelo outro, admirados, sermos referência para alguma coisa... Excesso
de nós.
Winnicott
encontrou, na capacidade de ficar sozinho, um sinal de maturidade emocional – espécie
de medida justa na relação entre o Eu e o Mundo.
A
capacidade de ficar sozinho está longe da qualquer ideia ligada à solidão.
Ficar sozinho não é desabar no precipício da Solidão. Ficar sozinho é
suportar-se consigo mesmo, na ausência do outro. Um suportar-se temporário,
mesmo no decorrer de um processo de luto real, já que o outro, internalizado,
não desaparece simplesmente. A imagem que Winnicott utiliza é a da mãe que sabe
ser necessário entregar seu filho ao Mundo, e deste filho que vai adquirindo a
capacidade de andar, sem a mãe, pelo Mundo – eterna descoberta, aterrorizante
portanto.
Suportar-se
com seus fantasmas e terrores implica maturidade.
Com nosso
polegar opositor, a teclar nossos smartphones, às vezes maníaca e
freneticamente, muitas vezes nos defendemos desta ausência – ausência do outro,
que nos coloca em contato direto conosco, em um mergulho vertical em nós, do qual
o contemporâneo declara como insustentável possibilidade.
“Ele não
vai responder?”; “Será que ela não gostou de mim?”; “Por que não curtiram meu
post?”; “Por que não me adicionaram?”...
E assim
ficamos, em silenciosa angústia, a esperar o retorno da mensagem que enviamos.
E esperamos, esperamos e esperamos – em uma insustentável ausência do ser.
MARCOS INHAUSER SORIANO é psicanalista, membro do Corpo Editorial da REVISTA VÓRTICE DE
PSICANÁLISE.
E-mail: misoriano@terra.com.br
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pessoal: http://umtranseunte.blogspot.com.br
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VÓRTICE DE PSICANÁLISE: http://www.revistavortice.com.br