quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O PRECIPÍCIO














Mundo Contemporâneo... Interessante ideia a de um mundo contemporâneo: amanhã será sempre o contemporâneo de hoje. O contemporâneo carrega representações daquilo que é do nosso tempo. Mas qual tempo o nosso? O tempo corre mais rápido que nossas pernas – não o alcançamos mais. Talvez, hoje, a tecnologia da conexão dite nosso tempo, sem que nos apercebamos disso.
Estamos hoje assim, todos conectados. Nossos smartphones, nunca no modelo mais novo, posto que o novo é muito mais rápido que nossa corrida em busca de tecnologia avançada, vibram e apitam, nos conectando ao Mundo. Entenda-se, isso não é ruim... Não faço aqui um apelo romântico-depressivo de como era bom o tempo do lampião de gás. Hoje somos criaturas humano-tecnológicas, talvez cada vez mais tecnológicas – no sentido de excesso do termo. Todos nós queremos, literalmente, sair bem na foto. Como nossos heróis morreram de overdose, ou viraram franquias cinematográficas, criamos, através da “pseudo-celebridade” (que particularmente considero um tumor de nosso tempo), a possibilidade de sermos, nós mesmos, “celebridades”, nos reinventando apressadamente e precipitadamente a cada minuto.
Nunca estivemos tão ao alcance de todos e de tudo. Nunca estivemos tão desencontrados. Não nos encontramos mais, pelo menos a frequência vem diminuindo vertiginosamente. Estamos a perder a capacidade perceptiva do “olho no olho”, da leitura primitiva da gestualidade, do famoso clima de “química”, nos entregando, na maioria das vezes, em um conjunto de textos prontos, palavras soltas sem sentido, no aguardo de um retorno esvaziado, sem sujeito – pois quem é o sujeito por trás da frase virtual?
As redes sociais de todo tipo, múltiplas e muitas, servem para arrumar, arranjar e ajustar encontros desencontrados. As pessoas adicionam, clicam e esperam. Se o retorno da clicada não vem, não surge, a angústia torna-se silenciosamente incomensurável: estamos fora do pretenso encontro, assujeitados à fantasias de rejeição. Às vezes, esbarramos em persecutoriedade paranoica. Podemos apontar também para a criação de um micro espaço imperialista, onde deve prevalecer a ideia de um, em detrimento do todo, considerado como sendo empobrecido resto. Criamos um império para a celebridade que acreditamos ser: ideias e frases vazias, ideologias sem fundamento, fotos e mazelas de nosso cotidiano, correntes e mais correntes de mensagens religiosas de todos os tipos, mergulhadas em um precipício vazio (e como são irritantes, invasivas, violentas). Porém, encontramos também, pequenos espaços de discussões críticas e construtivas, bem fundamentadas, que promovem troca de ideias – pequenos e raros, mas ricos espaços. No fundo, com raras exceções, queremos apenas ser notados pelo outro, admirados, sermos referência para alguma coisa... Excesso de nós.

Winnicott encontrou, na capacidade de ficar sozinho, um sinal de maturidade emocional – espécie de medida justa na relação entre o Eu e o Mundo.
A capacidade de ficar sozinho está longe da qualquer ideia ligada à solidão. Ficar sozinho não é desabar no precipício da Solidão. Ficar sozinho é suportar-se consigo mesmo, na ausência do outro. Um suportar-se temporário, mesmo no decorrer de um processo de luto real, já que o outro, internalizado, não desaparece simplesmente. A imagem que Winnicott utiliza é a da mãe que sabe ser necessário entregar seu filho ao Mundo, e deste filho que vai adquirindo a capacidade de andar, sem a mãe, pelo Mundo – eterna descoberta, aterrorizante portanto.
Suportar-se com seus fantasmas e terrores implica maturidade.

Com nosso polegar opositor, a teclar nossos smartphones, às vezes maníaca e freneticamente, muitas vezes nos defendemos desta ausência – ausência do outro, que nos coloca em contato direto conosco, em um mergulho vertical em nós, do qual o contemporâneo declara como insustentável possibilidade.
“Ele não vai responder?”; “Será que ela não gostou de mim?”; “Por que não curtiram meu post?”; “Por que não me adicionaram?”...
E assim ficamos, em silenciosa angústia, a esperar o retorno da mensagem que enviamos. E esperamos, esperamos e esperamos – em uma insustentável ausência do ser.

MARCOS INHAUSER SORIANO é psicanalista, membro do Corpo Editorial da REVISTA VÓRTICE DE PSICANÁLISE.

REVISTA VÓRTICE DE PSICANÁLISE: http://www.revistavortice.com.br