sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O IMPACTO DO TESTEMUNHO DA VIOLÊNCIA INTERPARENTAL EM CRIANÇAS: UMA BREVE PESQUISA BIBLIOMÉTRIA E BIBLIOGRÁFICA












CHILDREN exposed to interparental violence: A BRIEF bibliometric  and   bibliographic research.

Lélio Moura Lourenço, Fellipe Soares Salgado, Ana Carolina Amaral, Suzana Fajardo Leal Gomes & Luciana Xavier Senra

Nevas – Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social – UFJF

 

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil

Resumo:                                                                                                           
O presente trabalho consiste em uma pesquisa bibliométrica e bibliográfica, que investigou os resultados do impacto da exposição à violência interparental em crianças.  Realizou-se uma busca eletrônica em duas diferentes bases de dados, BVS e Psyc Info, com associação dos descritores “conflito familiar” e “criança” e “domestic violence” com “child”, respectivamente. Foram selecionados apenas artigos entre 2005 e 2010 observando autor, periódico, metodologia e resultados principais. Dos 211 artigos coletados, foram selecionados 15, destacando país e periódico com mais números de publicações (EUA, 12; Canadian Psychology, Journal of Youth Adolescence, Journal of Family Psychology, 2, respectivamente). Os resultados apontaram que o impacto desse tipo de violência assistida por crianças é evidente no curso de seu desenvolvimento, ocasionando sintomas depressivos e queda no desempenho escolar. Destaca-se a necessidade de novas pesquisas relativas ao tema, cuja produção é ainda incipiente.

Palavras –chave: Violência doméstica; crianças testemunhas de violência


Abstract:
This study aims to perform a bibliometric and bibliographic research, to investigate impact results in children’s exposure to interparental violence. An electronic search in two different databases, BVS and PsycInfo, associated with the descriptors "family conflict" and "child" and "domestic violence" to "child" was done. We selected only articles between 2005 and 2010 observing author, journal, methodology and major findings. Of the 211 articles collected, 15 were selected, highlighting the country and with more numbers of periodical publications (U.S., 12; Canadian Psychology, Journal of Youth Adolescence, Journal of Family Psychology, 2, respectively). The results showed that the impact of such violence assisted by children is evident in the course of its development, causing depressive symptoms and poor academic performance. Furthermore, the need for research on the topic, because literature review showed a fledgling production in this segment.

Key-word: interparental violence, exposed child, bibliometric and bibliographic reseach


Introdução
No Brasil, a violência contra crianças e adolescentes é considerada um grave problema de saúde pública. A conceituação dessa forma de violência vem sendo ampliada,dada a uma maior conscientização relativa ao bem-estar e aos direitos de crianças e adolescentes, bem como do impacto que a violência exerce sobre o desenvolvimento dos indivíduos, sobretudo nestas etapas da vida. As definições desse fenômeno variam também conforme as diversas visões culturais e históricas, com os direitos e o cumprimento de regras sociais referentes a criança e seus cuidados e de acordo com os modelos explicativos para a violência como observado pela Sociedade Brasileira de Pediatria. (Brasil, Ministério da Justiça e Fundação Oswaldo Cruz, 2001).A violência é expressa de diferentes maneiras: física, sexual e psicológica, negligência/abandono, política, econômica e patrimonial; e dirigida à várias vítimas: homossexuais, grupos étnicos, idosos, homens, mulheres, adolescentes e crianças. No caso específico da violência familiar ou doméstica contra a criança, a violência pode ser evidenciada, além dos referidos modos, de acordo com Ferreira, A.L.; Neto, A.A.L; Silvany, C.M.S; Deslandes, S.F. et al. (2001), pela Síndrome de Münchausen por Procuração. No entanto, independentemente dos termos utilizados para nomeá-la, a violência contra crianças é definida por toda ação ou omissão capaz de provocar lesões, danos e transtornos a seu desenvolvimento integral (Deslandes, Assis & Santos, 2005).
O contexto familiar é entendido como o espaço primordial de acolhimento e suporte para as crianças. Entretanto, nem sempre este cenário se apresenta dessa forma, como nos casos em que este ambiente é marcado pelo fenômeno da violência. Segundo o ministério da saúde brasileiro e a Fundação Oswaldo Cruz (2010), a violência intrafamiliar ocorre nas relações hierárquicas e intergeracionais e consiste em formas agressivas da família se relacionar, por meio do uso da violência como modo de solução de conflito, bem como estratégia de educação. Inclui, também, a falta de cuidados básicos com os filhos. Outra variação desse tipo de violência, entendida como psicológica, é denominada de testemunho da violência e refere-se a situações violentas presenciadas pela criança/adolescente em casa, na escola, na comunidade ou na rua.
De acordo com Sani (2008), a exposição da criança à violência é definida como uma exposição à violência interparental, violência conjugal ou violência marital, e designa “o tipo de vitimização, ou seja, o testemunho pela criança de violência entre duas pessoas próximas afetivamente e com quem partilha o mesmo espaço físico” (p. 95).
Para que o impacto da violência sobre a criança seja avaliado, em especial no que se refere à criança exposta à violência intrafamiliar, é necessário o entendimento de que a infância é uma etapa da vida extremamente delicada e importante e que requer significativos investimentos afetivos e de suporte social. Os cuidados prestados pela família e por outros grupos sociais e instituições à criança influenciarão sobremaneira sua possibilidade de sobrevivência e de qualidade de vida. Ademais, servirão também como uma espécie de espelho de valores no qual ela vai se refletindo e formando suas idéias sobre si mesma, sobre o outro e sobre o mundo em que vive (Deslandes, Assis & Santos, 2005).
Para Sani (2008), não é possível estabelecer um modelo reativo da criança à violência doméstica, ocorrendo, inclusive, reações bastante divergentes. Contudo, diversos fatores podem auxiliar na compreensão desse impacto, tais como: idade, gênero, freqüência, intensidade e severidade dos conflitos, sua resolução, as formas de expressão da violência, o suporte social. O conhecimento dessa realidade é essencial para que melhores formas de prevenção e minimização dos efeitos negativos possam ser determinadas. Por isso, o Conselho Federal de Psicologia (2009) destaca que quaisquer abordagens profissionais, preventivas ou de intervenção, devem ser consideradas sempre de modo interdisciplinar, acrescentando aí também a importância da intersetorialidade, para que o trabalho se configure como uma rede de proteção articulada.
Um lar onde paira um constante clima de tensão e de conflito familiar iminente é o ambiente onde se desenvolvem essas crianças testemunhas da violência e isto traz conseqüências, que vão desde marcas físicas, privação da satisfação de necessidades básicas (biológicas e psicológicas) e de educação, ao surgimento de problemas fisiológicos, emocionais, cognitivos e comportamentais. O envolvimento com a violência de figuras tão significativas para a criança, como os pais, responsáveis originalmente pelo seu acolhimento e proteção e com as quais se identifica, suscita diferentes reações na mesma. Ela pode assumir uma postura passiva diante dessa realidade ou ativa, buscando interferir de maneira que a situação seja interrompida. Isto acontece de acordo com a forma como a criança constrói no seu psiquismo os significados e as representações sobre a experiência vivenciada, por meio de recursos próprios. Neste sentido, estudos salientam também que não serão todas as crianças expostas à violência intrafamiliar que responderão negativamente, visto que a presença de fatores de proteção pode exercer um papel fundamental. Dentre estes, destacam-se: o ambientes escolar, o relacionamento com a vizinhança, o suporte advindo de demais membros familiares, entre outros (Sani, 2008).
A referida autora, ao estudar os casos de duas crianças que foram testemunhas de violência doméstica descreve o impacto dessa situação no desenvolvimento infantil. O estudo permitiu identificar sentimentos de ansiedade, medo, insegurança, vergonha, bem como comportamentos agressivos e manifestações depressivas. É preciso se considerar também que crianças testemunhas de conflito familiar encontram-se inseridas em um sistema de justiça, civil ou criminal, podendo tal fator desempenhar um prejuízo no seu desenvolvimento psicológico, sendo necessário, portanto, a tomada de determinadas precauções diante dessa realidade. É o que o Conselho Federal de Psicologia (2009) aponta como danos secundários. Os danos primários são aqueles decorrentes da própria situação de violência, já os secundários são aqueles decorrentes de intervenções inadequadas ou de não intervenções da rede de atendimento e proteção.
Sob esse aspecto, Sani (2008) evidencia a pertinência de algumas diretrizes para a atuação profissional daquele que se depara com o cenário da exposição de crianças à situações de violência, segundo o guia de operação da Office for victims of crime (conforme citado pela autora): possuir treino em nível de avaliação e identificação de casos, providenciar assistência e proteção no âmbito do sistema judicial, adaptação de práticas condizentes com as necessidades do desenvolvimento infantil e colaboração com outros organismos e instituições envolvidos com a assistência à criança em situação de risco, bem como demais profissionais.
Tendo em vista o conceito ampliado de saúde e a partir das considerações expostas e da relevância do tema na atualidade, o presente estudo tem como objetivo verificar em publicações científicas pesquisadas na base de dados eletrônica BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), quantas se destinam a investigar o impacto da violência familiar na criança.

Método
O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa bibliométrica, definida como “o estudo dos aspectos quantitativos da produção, disseminação e uso da informação registrada” (Macias-Chapula, 1998), ou seja, baseia-se no levantamento da produção científica acerca do impacto da violência interparental na vida da criança. Selecionou-se como base de dados para a busca a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), proposta e desenvolvida pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – BIREME. A BVS se caracteriza como uma das principais iniciativas mundiais em informações científicas e técnicas e reúne publicações de diversas fontes como Lilacs, Medline, Adolec, Ibecs, entre outros.
Para definição das palavras-chaves de busca, realizou-se uma consulta ao DeCS – Descritores em Ciências da Saúde, que consiste em vocabulário estruturado em três idiomas, criado pela Bireme para servir como uma linguagem única de indexação. A partir da consulta ao DeCS, foram selecionados os seguintes descritores de busca: crianças (child, niño) e conflito familiar (family conflict, conflicto familiar). A escolha deste último baseou–se na aproximação da definição do descritor do assunto que se busca levantar nesta bibliometria. Segundo o DeCS (2010), no descritor conflito familiar estão inscritos trabalhos sobre os conflitos emocionais e verbais entre os membros da família, tendo como sinônimo conflito interparental e conflito conjugal.
Na base de dados PsycInfo a busca foi realizada através da associação dos descritores “conflito familiar” com “criança” e “domestic violence” com “child”, respectivamente em razão de nenhuma das bases utilizadas possuírem como descritor “violência interparental”, de acordo com os critérios também adotados para a base já mencionada e conforme denotam algumas publicações de autorias ibéricas (Pereira, 2008, 2006; Sani, 2008).
Foram selecionados artigos publicados em revistas indexadas (excluíram-se teses e outros tipos de publicações), que abrangessem como ano de publicação e o período entre 2005 e 2010. A análise deveria ser focada no impacto da violência doméstica e/ou interparental na vida da criança.
Os procedimentos de seleção e de análise envolveram: 1) a leitura flutuante dos resumos a fim de definir aqueles que atendiam aos critérios de inclusão definidos ; e, 2) a leitura dos artigos selecionados, a fim de verificar os resultados obtidos.
Resultados

A busca a partir do cruzamento dos descritores “conflito familiar” e “criança” resultou em 211 registros publicados entre 2005 e 2010. Em relação ao ano e país de publicação, nota-se um crescimento do número de registros ao longo dos anos, sendo 2009 o de maior número de publicações. Vale destacar que a busca foi realizada no mês de junho de 2010, o que justifica o pequeno número de publicações encontradas neste ano. A figura 1 demonstra uma tendência de que este número se aproxime ou supere os valores obtidos no ano de 2009.


Os periódicos que mais apresentaram publicações foram: 1) o Journal of Family Psychology com 26 registros; 2) o Developmental Psychology (7 registros);  3)  o Child Maltreatment e 4) Jounal of Pediatric Psychology (ambos com 6 registros). Em relação ao tipo e número de vítimas, 73% dessas publicações apontaram a criança como principal vítima de violência doméstica e/ou interparental. Um número significativo quando consideradas as características desenvolvimentais da criança, que explicitam menor repertório de comportamentos de defesa, se comparadas aos adolescentes e adultos.




A partir da leitura flutuante dos 211 resumos, chegou-se a um número de 15 artigos que se destinavam a investigar quais as conseqüências da violência interparental para a criança que assiste a esse conflito. Dentre estes, 1 registro em 2005; 2006, 2 ; 2007, 3; 2008, 1; 2009, 4 e em 2010, 3. Entre os periódicos, o Journal of Family Psychology, Journal of Youth Adolescence e Canadian Psychology/Psychologie canadienne apresentaram 2 publicações cada. Os outros periódicos que tiveram apenas um registro foram: Developmental Psychology, Child Maltreatment, Child Abuse and Neglect, Journal of Pediatic Nursing e Journal of  Child Psychology and Psychiatry. Esses dados podem ser visualizados a seguir, na figura 3.



Os Estados Unidos se destacaram com maior prevalência de publicações, sendo a maioria, estudos com metodologias longitudinal e transversal. Menos presentes, os estudos longitudinais são aqueles nos quais “as variáveis relacionadas a um indivíduo ou grupo de indivíduos são acompanhadas por anos e com contato a intervalos regulares” (DeCS, 2010), caracterizados por serem de alto custo e de difícil conclusão. Já os estudos transversais, estes mais presentes, são “estudos epidemiológicos que avaliam a relação entre doenças, agravos ou características relacionadas à saúde, e outras variáveis de interesse, a partir de dados coletados simultaneamente em uma população” (DeCS, 2010).
A análise dos artigos permitiu verificar que as conseqüências mais frequentemente notadas nas crianças que testemunham a violência entre os pais foram: (a) sintomas depressivos/ insegurança; e (b) problemas relativos a ajustamento/conduta e agressividade. Podemos observar que a queda do rendimento escolar aparece apenas em sete por cento, o que demonstra que os aspectos psicológicos e psicossociais são mais significativos no que concerne às respostas encontradas na referida pesquisa. Esses dados são explicitados na figura 4.


Considerações Finais
A partir da análise da presente pesquisa bibliométrica sobre crianças expostas à violência interparental, verificou-se que o testemunho do conflito interparental ocasiona sintomas fisiológicos, emocionais, comportamentais e psicológicos, além de problemas desenvolvimentais como baixo desempenho acadêmico, dificuldades de ajustamento e comprometimento das relações interpessoais e sociais. Tais sintomas e problemas foram frequentemente relatados nos diversos estudos realizados na América do Norte e Europa, conforme evidenciado nos artigos selecionados na busca feita na base de dados BVS.
No que concerne aos sintomas fisiológicos, emocionais e psicológicos, autores como O’Donnel, Moreau, Cardeml e Pollastri (2010), Salisbury, Henning e Holdford (2009), Shelton e Harold (2007, 2008) e Cui, Donnelan e Conger (2007) ressaltaram déficit de assistência às necessidades básicas infantis, depressão, stress pós traumático, insegurança ou diminuição da auto-estima. Esses autores observaram que quanto mais expostos aos conflitos interparentais e quanto mais intensa for a violência testemunhada pela criança, mais evidenciados serão os problemas. Estes aspectos remetem às recomendações de Sani (2008) quanto à necessidade de intervenção, seja ela individual ou em grupo, junto às crianças que assistem ao conflito interparental, bem como junto às famílias, tendo em vista os desdobramentos negativos de grande impacto sobre todo o desenvolvimento da criança.
Diversos outros autores e autoras, tais como Ghazarian e Buehler (2010), McDonald, Jouriles, Tart e Minze (2009), Whiteside-Mansell, Bradley, McKelvey e J. Fussel (2009), Grundy, Gondoli e Salafia (2007), salientam problemas de comportamento e ajustamento, queda no desempenho acadêmico e reprodução de comportamentos agressivos, hostis e de rejeição assistidos nos contextos familiar, acadêmico e social. Por meio desses estudos, constataram-se não somente a necessidade de algum tipo de intervenção como também da continuidade de pesquisas e de criação e/ou aperfeiçoamento dos instrumentos existentes para tal intervenção, pois o impacto da experiência de violência para a criança ou adolescente é unânime enquanto fator de risco em seu desenvolvimento. Os estudos também revelaram que algumas crianças não apresentam respostas negativas uma vez tendo sido expostas ao contexto de violência por se utilizarem de ações deliberadas que foram e são aprendidas ou descartadas com objetivo de enfrentar o stress percebido.
Os dados da presente pesquisa demonstraram também que as crianças e adolescentes que assistem/ testemunham o conflito/violência interparental ainda são vítimas relativamente esquecidas, ou seja, carecem de proteção oficial e dos possíveis benefícios de uma intervenção psicológica mais sistemática. Um apoio mais organizado e pertinente à demanda vigente, apoio este proveniente dos sistemas político, social e de saúde para promoção de suporte familiar e bem-estar no curso do desenvolvimento se faz necessário. Este tipo de intervenção se apresenta como fundamental na promoção de saúde dessa população específica.
O Brasil, ao verificar alto índice de violência em diversos âmbitos, através de órgãos especializados e em conformidade com perspectivas evidenciadas nos estudos norte americanos e europeus, tem lançado instrumentos que objetivam o apoio social e em saúde para a assistência de crianças e adolescentes vítimas indiretas e/ou diretas da violência interparental.O Ministério da Saúde observa um alto índice de violências no país, o que tem assumido um caráter endêmico. Os jovens se configuram como os mais afetados pela violência e, também, os mais envolvidos (Brasil, 2005). Isto posto, diretrizes são fundamentadas no documento “Política de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências” (Brasil, 2001), que incluem promoção de comportamentos seguros, monitoração de ocorrência de acidentes e violência, capacitações de profissionais para atuação multisetorial no contexto de violência e apoio ao desenvolvimento de pesquisas que as fundamente.
A notificação de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes (Brasil, 2002), de caráter compulsório a partir do ECA casos suspeitos ou confirmados, tem um papel importante na identificação e descrição dos casos de violência e seus tipos, tornando-se um instrumento que supre as poucas estatísticas oficiais sobre a violência doméstica no Brasil, mesmo levando em conta as dificuldades práticas referentes a identificação do fenômeno por profissionais de saúde.
Com a Criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, a criança e o adolescente passaram a ser titulares de direitos e deveres definidos. A lei assegura prioridade à criança e adolescente, no que diz respeito ao orçamento público, em receber socorro e atendimento médico, a vida saúde e alimentação, desenvolvimento psicossocial; num contexto de integridade física, psicológica e moral, direcionando ações de promoção dos direitos e defesa contra situações de risco (Brasil, 1990).
Contudo, mesmo com a existência desses instrumentos subsidiários das intervenções em violência contra a criança e o adolescente no país, não faz com que as intervenções existentes sejam plenamente eficazes e eficientes, pois os recentes estudos, de modo geral, sobretudo aqueles que sustentaram a presente pesquisa, revelaram que é significativamente baixo os estudos especificamente direcionados à violência interparental assistida por crianças, o que representa mais um fator para se concluir que necessitamos de referências para atuação e para continuidade de pesquisas.


Referências

Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990. (1990) Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília: [s.n.].

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Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM no 737, de 16 de maio de 2001. (2001) Dispõe sobre a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e        Violências. Diário Oficial da União, Brasília: [s.n.].

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Fellipe Salgado é mestre em Psicologia pela UFJFgraduado pelo CES-JFGosta de pesquisar temas da Psicologia Social, enfocando processos psicossociais, como os tipos de violência. Gosta de Psicologia Cognitiva, é músico e curioso de forma geral.

CRÍTICA DA ÉTICA E DA NATUREZA DA FELICIDADE



























Crítica, no contexto deste autor, será utilizada como a investigação sistemática, portanto desconstrutiva, sobre os limites de um conjunto de conceitos. Meu principal instrumento será a aplicação do método psicanalítico, buscando frestas de ruptura de sentido, onde novos sentidos possam emergir despretensiosamente.
O objeto desta Crítica será, dentro da obra de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), a questão das questões: Qual a melhor vida?
Tomo de empréstimo trechos de um Aristóteles desmistificado, apresentado por Will Durant em sua “A História da Filosofia” (1926).
A Ética, a fundamentação do melhor modo de viver e conviver, era realisticamente simples para Aristóteles. O Professor de Alexandre reconhece explicitamente que o objetivo da vida não é a bondade pela bondade, mas a Felicidade. O Homem por excelência é feliz: tudo o que escolhemos, qualquer opção que possamos fazer, se dá porque acreditamos que seremos felizes. Para Aristóteles, o Destino não diz “seja bom”, mas sim “seja feliz”.
O caminho para se alcançar a Felicidade é a vida da razão, ou seja, o ato do pensar. É sempre bom lembrar que para Aristóteles o ato de pensar é contemplativo, inativo, quase apático. A excelência no ato de pensar encontra-se no caminho do meio, em uma perfeita temperança – o meio-termo justo. O meio-termo justo é alcançado pelo julgamento claro que flutua entre conceitos extremos, como amor e ódio, coragem e covardia, humildade e orgulho. O meio-termo justo é o oposto do excesso ou exagero, assim como da falta de experimentação.
Em conjunto com o meio-termo justo, Aristóteles coloca os bens terrenos e a amizade como instrumentos para se alcançar a Felicidade. A pobreza nos torna vítimas de sentimentos impuros, como a ganância e a mesquinhez, portanto, os bens terrenos oferecem ao sujeito a tranquilidade necessária para o exercício da liberdade do ato de pensar. A amizade traz, segundo nosso filósofo, a possibilidade de compartilhar sentimentos nobres, incluindo a benfeitoria pura, ou seja, sem cobrança, incondicional. Mas Aristóteles ainda coloca a razão, o conhecimento perfeito e a clareza da alma, como a essência da natureza da Felicidade. A Felicidade é o prazer da mente, não buscando nenhum outro fim que não o ato de pensar.

Ele não se expõe desnecessariamente ao perigo, uma vez que são poucas as coisas com que se preocupa o suficiente; mas está disposto, nas grandes crises, a dar até a vida sabendo que em certas condições não vale a pena viver. Está disposto a servir aos homens, embora se envergonhe quando o servem. Fazer um favor é sinal de superioridade; receber um favor é sinal de subordinação... Ele não toma parte em manifestações públicas. (...) É franco quanto as suas antipatias e preferências; fala e age com franqueza, devido a seu desprezo por homens e coisas. (...) Nunca se deixa tomar de admiração, já que a seus olhos nada é excelente. Não consegue viver em complacência para com terceiros, a menos que se trate de um amigo; a complacência é a característica de um escravo. (...) Nunca tem maldade e sempre esquece e passa por cima de injustiças. (...) Não gosta de falar. (...) Não lhe preocupa o fato de que deve ser elogiado ou que outros devam ser censurados. Não fala mal dos outros, mesmo de seus inimigos, a menos que seja com eles mesmos. Seus modos são serenos, sua voz é grave, sua fala é comedida; não costuma ser apressado, pois só se preocupa com poucas coisas; não é dado à Veemência, pois não acha nada muito importante. Uma voz estridente e passos apressados são adquiridos pelo homem através das preocupações. (...) Ele suporta os acidentes da vida com dignidade e graça, tirando o máximo proveito de suas circunstâncias, como um habilidoso general conduz suas limitadas forças com toda a estratégia da guerra. (...) Ele é o melhor amigo de si mesmo e se delicia com a privacidade, ao passo que o homem sem virtude ou capacidade alguma é o pior inimigo de si mesmo e tem medo da solidão.” (Ética)

Este é o homem feliz de Aristóteles.

E se deitássemos no divã o homem feliz aristotélico? Sem leviandade, mas nos permitindo usar de um pouco de ludicidade imaginativa. Ressalto três pontos.

A primeira coisa que me saltaria aos ouvidos é a impossibilidade de isolar Aristóteles de sua Natureza da Felicidade – toda obra contém um pouco de seu autor. Aristóteles foi um filósofo rico. Enquanto reinou a marcha de Alexandre, nosso pensador foi recompensado e presenteado com tudo aquilo que precisava. Dizem que o primeiro zoológico do mundo surgiu com Aristóteles. Nosso filósofo era repleto de ambiguidades – vemos em sua obra o dito “faça o que digo, mas não faça o que faço”. Durante o período abastado, Aristóteles foi bastante contemplativo – o oposto da postura repleta de acalorada paixão de seu professor, Platão. Imaginou um sistema político onde homens do saber dominariam uma massa bruta – sua aristocracia. Com a morte súbita de Alexandre, em 323 a.C., o mundo se reconfigurou para nosso filósofo (praticamente o mundo virou de cabeça para baixo). Enfraquecido sem seu protetor, julgado e condenado por seus adversários, Aristóteles optou pelo exílio, diferentemente de Sócrates, e deixou Atenas. No exílio, acometido de um estado depressivo, decepcionado com o mundo, o pensador morreu solitário.

É interessante a alegação de Nietzsche de que, talvez, o “super-homem” aristotélico fosse uma tentativa (defensiva) dos gregos para conter a sua própria violência e impulsividade de caráter.
O homem feliz de Aristóteles não leva em conta que o sujeito humano é um ser em crise, filho do conflito entre uma imposição civilizatória frente a instintos egoístas e destrutivos. O homem feliz de Aristóteles não questiona o descompasso entre a identidade e a realidade, não compreendendo que o Eu e a Representação – meios pelos quais a vida psíquica há – são trabalhos defensivos advindos da adaptação deste conflito. A Felicidade descrita por nosso filósofo se dá apenas como uma das possibilidades de conciliação, frente a tantas outras.

Para terminar este exercício lúdico (é sempre bom lembrar, pois não pretendo também ser condenado à cicuta ou ao exílio), frente à Teoria das Pulsões, ficamos com a sensação de que o homem feliz de Aristóteles é um apático homem morto. Sem paixão, mas repleto de boas maneiras, provavelmente a libido cobraria, em um momento ou outro, de uma forma ou outra, o juros sintomático de uma felicidade racionalizada (filha do recalque, talvez). O conceito de “justo”, adicionado ao brilhante percurso para se alcançar o meio-termo, seria fatal. Lembro-me de uma “brincadeira” de Fabio Herrmann, que entre o “seio bom” e o “seio mau” deveria existir o “seio mais-ou-menos”.

Estou longe de “criticar” Aristóteles enquanto pensador. Seria uma imprudente e insignificante postura frente àquilo que foi o mais maravilhoso, potente e influente sistema de pensamento já produzido por um único ser humano. Nenhum outro pensador pensou tanto sobre tudo. Que eu seja justo com Aristóteles ao realizar este exercício crítico sobre o “justo” de seu meio-termo em busca da Natureza da Felicidade.



MARCOS INHAUSER SORIANO é psicanalista.