Por Marcos InHauser
Vão vivendo
assim, juntos, entre bofetões, mútuas humilhações, chutes e xingamentos, tudo
temperado por noites de transa quente – o amor limita-se ao quarto.
Ele,
esfuziante, faz o tipo “tutti buona gente”, amigo pronto para qualquer parada.
Padece, entretanto, de uma maldição de que “tem de ser bonzinho”, numa crença
em busca de seu Paraíso particular. Certa humildade germinou-se dentro dele,
provavelmente enraizada na relação com a mãe “tutti buona gente”. A humildade o
empurra para trás e para baixo – uma sola furada no sapato, seu troféu.
Justifica-se exageradamente.
Ela,
ditadura encarnada, acredita piamente possuir “o Pênis”. Mas não o possui... Projetou
um mundo de soberba, chiquérrimo, “Very Important Person”. Fechada em tono de
si mesma, em sua mesquinhez, é odiada pelas costas, um vazio relacional
completo, provavelmente ligado ao Pai que não houve. Justifica-se
empobrecidamente.
Casal mais
que perfeito, quando visto pelo ângulo masoquista. E assim vão vivendo, aos
berros, aos apelos nunca satisfeitos de completude, que existe apenas dentro do
quarto.
Não há
segredos lá, na individualidade que necessita ser preservada. Um estranho
escancaramento de intimidade, ao extremo – experiência que não é pra qualquer
um, somente para os fortes de alma.
Tiveram,
juntos, criancinhas... Ele, para poder se projetar o pai/mãe perfeito. Ela, não
se sabe ao certo.
Na
Conferência XXXII das “Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”, de
1933, Freud, ao tratar da ansiedade e da vida instintual, apresenta
resumidamente questões bastante relevantes sobre a relação entre o masoquismo,
a necessidade instintual de punição e o supereu. Freud não deixa dúvidas quanto
à cobrança punitiva do supereu, que germinando no inconsciente, vai assombrar o
sujeito neurótico avassaladoramente, na direção de uma reparação sempre
impossível.
Ele,
satisfeitíssimo com a projeção de “um pobre coitado”, vai desenvolvendo uma
hipocondria punitiva. A qualquer sinal de avanço em um ser maduro, sente a
morte espreitar, observando-o à distância, esperando um momento de deslize...
“Tutti buona gente”.
Ela,
apaixonada eternamente pelo Pai que ama esbofeteando, cria uma soberba que,
crescendo como tumor, vai isolando, diminuindo, aniquilando por completo a
possibilidade de ser amada, posto não saber amar.
Freud já
dizia que as coisas do Amor são melhor exploradas pelo poeta do que pelo
analista. Cita-se, então, como preciso projeto de vida, Chico Buarque
(1977/1978), ao final de “O Casamento dos Pequenos Burgueses”:
Ela esquenta a papa do neto
E ele quase que fez fortuna
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a morte os una
Até que a morte os una
MARCOS INHAUSER SORIANO é psicanalista.
E-mail: misoriano@terra.com.br