segunda-feira, 3 de junho de 2013

TRATAMENTO DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO A PARTIR DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL




Fernanda de Azevedo Lima
Mestra em Psicologia Clínica-UNICAP/Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental/Psicóloga
Professora de Ensino Superior da Faculdade Estácio do Recife e Faculdade IBGM.




De acordo com Caminha (2004), o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é uma psicopatologia com características bastante distintas dos demais transtornos que compõem o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-IV-TR, uma vez que a relação causal entre a situação ocorrida no ambiente, denominada trauma, e a reação da pessoa exposta ao evento estressante (respostas cognitivas e comportamentais) é possível de ser identificada. Em outras psicopatologias, essa relação não pode ser considerada identificável.
O transtorno de estresse pós-traumático é uma condição que se desenvolve quando uma pessoa vê, ouve ou é envolvida por um estressor traumático extremo. Ela reage a essa experiência com medo e impotência, revive de forma persistente o acontecimento e tenta evitar lembrar-se dele. Para se fazer o diagnóstico, os sintomas devem durar por mais de um mês após o acontecimento e afetar de modo significativo áreas importantes da vida, como a familiar e a profissional. (SADOCK E SADOCK, 2007).
Na citação acima, os autores advertem para a questão do estressor traumático extremo e, vale ressaltar que, estes devem levar uma sobrecarga suficiente para afetar praticamente qualquer um. Assim sendo, podem se originar de experiências na guerra, tortura, catástrofes naturais, assaltos, estupro e acidentes graves, como por exemplo, em carros e em edifícios incendiados.
Dessa forma, conforme já ressaltado anteriormente, o TEPT assume uma característica bastante diversa dos demais transtornos psicológicos: é causado por um agente causador externo e identificável, ou seja, o evento traumático.
Vale ressaltar que a quarta edição do DSM (DSM – IV APA, 1994) acrescentou um novo diagnóstico relacionado com experiências traumáticas, o Transtorno de Estresse Agudo. Este transtorno é definido como uma reação aguda de ansiedade de curta duração. Tal transtorno é diferente do TEPT apenas quanto à frequência dos sintomas dissociativos e ao tempo de duração, que não deve exceder quatro semanas.
Vale ressaltar que o Transtorno de Estresse Agudo é considerado um fator de risco, é o primeiro passo para o desenvolvimento do TEPT. Geralmente ele é um diagnóstico primário, e o reconhecimento de tal diagnóstico facilita a intervenção precoce e a recuperação dos indivíduos acometidos.
É importante destacar, ainda, que é normal que qualquer pessoa exposta a um evento estressante desenvolva respostas características do TEPT. Por exemplo, dormir mal a noite após um grave acidente, sonhar com o fato, ter intrusão de memórias involuntárias. Porém, se essas manifestações se mantiverem, passada quatro semanas pode-se considerar que está se encaminhando uma situação de TEPT.
Os principais sintomas do Transtorno de Estresse Pós Traumático (DSM-IV-TR, 2002) são:

Tabela 01: Principais sintomas do TEPT.

ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO DSM IV-TR, 2002
  • O evento traumático é persistentemente revivido por meio de recordações ou sonhos aflitivos do evento, recorrentes e intrusivos, incluindo imagens, pensamentos ou percepções;
  • Agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente;
  • Sofrimento psicológico intenso e reatividade fisiológica quando da exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático;
  • Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da responsividade geral.
  • Redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas;
  • Sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas;
  • Faixa de afeto restrita;
  • Sentimento de um futuro abreviado;
  • Dificuldade em conciliar ou manter o sono;
  • Irritabilidade ou surtos de raiva;
  • Dificuldade em concentrar-se;
  • Hipervigilância;
  • Resposta de sobressalto exagerada.


Fonte: DSM IV-TR, 2002.


A partir do momento que pesquisadores reconheceram o TEPT como um construto psicológico válido, pode-se perceber também que este era passível de diagnóstico e tratamento. Uma das propostas de tratamento dispensadas ao TEPT é a Terapia Cognitivo Comportamental. 

Terapia Cognitivo Comportamental (TCC)

Para Rangé e Souza (1998), a TCC é um sistema psicoterapêutico fundamentado no modelo cognitivo, segundo o qual a emoção e o comportamento são determinados pela forma como o indivíduo interpreta o mundo. Beck (1964) ressalta que a TCC baseia-se no modelo cognitivo, que levanta a hipótese de que as emoções e os comportamentos das pessoas são influenciados por sua percepção dos eventos.
Porém, a TCC não é um modelo linear em que as situações ativam pensamentos, que geram uma conseqüência com resposta emocional, comportamental e física. Há uma interação recíproca de pensamentos, sentimentos e comportamentos, fisiologia e ambiente.
Esta forma de psicoterapia caracteriza-se por ser uma abordagem: ativa; diretiva; educativa; estruturada; que utiliza tarefas de casa etc.


Terapia Cognitivo Comportamental aplicada ao TEPT

Uma grande variedade de abordagens específicas em graus diversos tem sido proposta para o tratamento do TEPT, uma bastante notória é a abordagem farmacológica. Segundo Lemgruber (1997) no tratamento farmacológico do TEPT, geralmente, inicia-se com antidepressivos inibidores seletivos de recaptação da serotonina ou tricíclicos. No caso de resposta parcial aos antidepressivos é recomendada a introdução de uma segunda droga, como, por exemplo, um anticonvulsivante, um estabilizador do humor ou um benzodiazepínico, dependendo do perfil da sintomatologia do paciente.
No entanto, hoje em dia, a integração da psicoterapia à farmacoterapia no tratamento do TEPT está sendo cada vez mais comum.
A seguir será exposto um roteiro sumarizado do processo de intervenção em TEPT. Essas intervenções foram elaboradas por Caminha e Borges (2003) e é chamada de “Modelo Integrado”.

Sessões Iniciais: Nas primeiras sessões, algumas questões são relevantes e devem ocorrer, a saber:
·         Certificar-se de que o paciente não está mais diretamente exposto ao agente estressor;
·         Aliança terapêutica com elementos de entrevista motivacional: Como eu era? Como estou agora? O que perdi? O que ganhei? Como posso e quero estar no futuro?
·         Educação quanto ao TEPT e ao modelo cognitivo;
·         Avaliação por instrumentos psicométricos: escalas de ansiedade, de estresse, inventários de saúde geral etc que possam servir de fator de reavaliação pós teste ao final do tratamento. Alguns exemplos de instrumentos são: Entrevista Estruturada para Transtornos de Ansiedade-IV (ADIS-IV) Di Nardo, Brown e Barlow, (1994); Entrevista Clínica Estruturada (SCID) – Spitzer, Williams e Gibbon, (1987); Escala do Impacto de Eventos (IES) – Horowitz, Wilnes e Alvarez, (1979); Lista de Sintomas 90-R – Derogatis, (1983).
·         Uso de afetivograma de monitoramento de variações do humor apresentados pelo paciente ao longo do tempo, visando à conexão entre lembranças traumáticas diretas e indiretas com a variação das emoções. 

Sessões Intermediárias: Nas sessões intermediárias podem ser trabalhadas:

·         Abordagens das crenças que o paciente possuía e possui após o ocorrido (quantificado de 0 a 10 os sentimentos e de 0 a 100% o nível de crença no relatado):
- Antes: Ex: “a pior coisa que poderia acontecer a alguém”;
- Depois: Ex: “nada poderia ter sido pior”.  
·         Abordagem da culpa e da raiva inerentes ao TEPT (quantificando de 0 a 10 os sentimentos e de 0 a 100% o nível de crença no relatado):
- Raiva de si: Ex: “por que fui sair justo naquela hora”;
- Dos outros: Ex: “aquele desgraçado quase me matou”;
Abordagem da (s) memória (s) traumática (s):
·         Dessensibilização sistemática: na qual consiste em dividir o procedimento de extinção em pequenos passos. Construir uma escala crescente da intensidade do estímulo (hierarquia de ansiedade);
·         Técnicas de respiração e relaxamento;
·          Experimentos de Exposição.


Sessões Finais: No fim do tratamento o paciente deverá ser capaz de generalizar a outras situações as estratégias de controle. Além disso:

·         Deverá passar por exposições às situações com maior grau de complexidade e de fator ansiogênico;
·         Deverá ser trabalhada a prevenção de recaída, onde serão trabalhadas estratégias de enfrentamento para situações futuras em que o medo e a ansiedade voltarão a se manifestar. Desde o momento em que o paciente começa a apresentar significativas melhoras, o terapeuta deve introduzir os elementos de prevenção de recaída, para que não se percam os progressos conseguidos até então e se prepare o paciente para potenciais situações futuras.

As possibilidades de tratamento vão desde o individual ao tratamento grupal. Algumas situações devem ser tratadas individualmente, conforme a experiência vivida pelo paciente. Entretanto, independente da modalidade de tratamento, a TCC tem apresentado, na literatura, modelos com elevados índices de eficácia.
Pode-se perceber que é possível encontrar na literatura científica resultados positivos deste modo de tratamento. Isso evidencia que a TCC é uma abordagem estruturada para o TEPT, bem como para outras psicopatologias. Diante do exposto, sempre serão válidos trabalhos que abordem esta temática: a eficácia da Terapia Cognitivo Comportamental como proposta de tratamento do Estresse Pós Traumático.

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4 ed.  Washington: DC; 1994.
______. Manual diagnostic e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. 
BECK, A.T. Thinking and depression: II. Theory and therapy. Archives of General Psychiatry, 10, 561-571, 1964.
CAMINHA, R.M. Transtorno de Estresse Pós-Traumático. In: KNAPP, P. Terapia Cognitivo Comportamental na Prática Psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2004.
CAMINHA, R.M.; BORGESJ.L. Terapia cognitiva do transtorno de estresse pós traumático (TEPT). In: CAMINHA, R.M. et al. Psicoterapia cognitiva comportamental: teoria e prática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
LEMGRUBER, V. Intervenções Psicoterápicas em Situações de Estresse Agudo e Estresse Pós Traumático. In: CORDIOLI, A.V. (org.). Psicoterapias: 2 ed. Porto Alegre: Artes médicas, 1998. 
RANGÉ, B.; SOUZA, C.R. Terapia Cognitiva. In: CORDIOLI, A.V. (org.). Psicoterapias: abordagens atuais. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

SADOCK, B.J.; SADOCK, V.A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Trad. Claudia Dornelles. Porto Alegre: Artmed, 2007. 



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