segunda-feira, 1 de junho de 2015

ALGUMAS NOTAS SOBRE O FUTURO DO PRETÉRITO


















1. Futuro do Pretérito, tempo verbal que enuncia um fato que poderia ter ocorrido posteriormente a um determinado fato passado.
Freud nos diz que as histéricas sofrem de reminiscências. Talvez todos nós soframos de reminiscências. No relicário de nossa memória, de nossas lembranças, encontram-se representações periféricas que não possuem nome. São “aquilo” que nos acusa do que poderíamos ter sido e não se fez em nós. Um “a posteriori” sempre marcando presença na ausência do que não podemos ser, uma sombra de nós mesmos, o negativo de nossas possibilidades – sempre infinitas, sempre infinitas. O lastro de nosso umbigo.

2. Diz de um futuro em relação a outro, já ocorrido.
No filme “The Butterfly Effect”, de Eric Bress e J. Mackye Gruber (2004), Evan Treborn, um estudante universitário de vinte anos de idade, sofre os efeitos de um sistema dinâmico de dependência estreita entre as condições finais de sua história, em relação às iniciais.
H. G. Wells, já apresentara conteúdo ficcional semelhante em “The Time Machine” (1895), onde um cientista tenta consertar o passado, indo e vindo pelo tempo.
Interessante que em cada tentativa de modificação do que já foi, os personagens padecem de uma turbulenta experiência de transformação caótica daquilo que ainda será.
Interessante... No caso de “The Butterfly Effect”, os diretores nos oferecem alguns finais alternativos para o filme.

3. Hipótese, incerteza, irrealidade, o condicional do que não foi.
O que serei eu lá onde não se fez ainda, lá onde não me fiz ainda eu, olhando-me para o ontem do que fui e que creio ter-me predestinado a ser o que sou e o que serei? A isto posso chamar de Destino. Será possível vencer o Destino? Algumas pessoas parecem vencê-lo... Destino?
Serei eu fruto de combinações, de predisposições, de ambientes, de estruturas biológicas, de condenações metafísicas? Ou apenas serei?

4. Tempo verbal das possibilidades – se tratando de pensamentos, tudo é possível, “seria possível”.
O verbo “conjecturar” é deveras importante para a Psicanálise. Instrumento poderoso, desde que não confundido com devaneios estapafúrdios que conduzem-nos a abstrações sem sentido.
Em seu “Delírios e Sonhos na ‘Gradiva’ de Jensen” (1907), Freud permite-se conjecturar. O jovem Norbert, fascinado pelo relevo em mármore de sua Gradiva, (re)encontra a morta-viva nas ruínas de Pompéia. A fascinação se dá pelo efeito de ser o objeto de seu desejo – sua Gradiva em sua Pompéia -, nada mais do que Zoe, a amiga de infância, uma infância perdida no ontem, que direciona o agora, e traz o desfecho do amanhã. Zoe, por seu lado, aceita o destino de morta-viva imposto pela desatenção de seu pai e identificado no não correspondido amor de seu colega de infância. Ao final da obra de Wilhelm Jensen, de 1903, o amor, tratado por Freud como forma de cura, vence o delírio do jovem Norbert: o Desejo sobre o Destino.
Para além de uma aula de Psicanálise, um Freud genial entregando-se a uma grande conjectura sobre a infância remota e um futuro que, neste caso, acaba em “Happy End”.

5. Futuro do Pretérito, tempo da lógica do inconsciente. O Inconsciente, de certa maneira, é Futuro do Pretérito – inconscientes de tantas relações infinitamente possíveis.
O sujeito humano é sujeito inserido no cotidiano (ou quotidiano, de “status quo” – função de localização espacial). O cotidiano dos homens, correria à parte, é constituído de diálogos, conversas. As conversas entre pessoas são regidas por um tema assentado sobre uma lógica, normalmente oculta. Conversa-se, mas conversa-se sobre o que? Sobre várias coisas ao mesmo tempo – camadas de temas sobrepostos a outros temas. Ao núcleo oculto de um tema, encontramos regras próprias que o sustentam, regras estas também ocultas, inconscientes.
Atualmente, através do desenvolvimento das ideias psicanalíticas que, aliás, estão sempre a se desenvolver, percebemos a importância de relativizar o Inconsciente freudiano não mais como um “topos”, um lugar, mas sim como o próprio sistema de regras que regem o cotidiano, ou cotidianos dos homens. Não temos, então, o Inconsciente, mas sim inconscientes relativos aos diversos e possíveis campos de discurso.
Conversamos sempre sobre um “agora”, localizado entre um pretérito experimentado neste momento e um futuro desejante e projetado também neste momento.
Sou Eu agora, entre o que fui e o que serei.

MARCOS INHAUSER SORIANO é psicanalista, editor da Revista Vórtice de Psicanálise.

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