Por: Marcos InHauser Soriano
“Em suas implicações, a deformação de um
texto assemelha-se a um assassinato: a dificuldade não está em perpetrar o ato,
mas em livrar-se de seus traços.” (SIGMUND FREUD, 1939)
Em seu “Der
Mann Moses Und Die Monotheistische Religion: Drei Abhandlungen”, publicado em
1939, Freud tece críticas sobre a reconstrução, às vezes no intuito de
falsificar “objetivos secretos”, de
uma história primitiva, utilizando-se dos primórdios do povo de Israel. Com a
interpolação ficcional de “se Moisés
fosse egípcio”, Freud faz saltar da história contada, perdida no tempo, um
duplo Moisés, condensado no herói hebreu, e um duplo Javé, condensado no Deus
da aliança monoteísta. Tudo no texto histórico passa a ter duplos: personagens,
deuses, lugares sagrados, e intenções. O próprio texto freudiano, que começa a
ser redigido em 1934, sofre da armadilha, às vezes em prol de melhoras, às
vezes em prol de adequações.
O mundo
mental humano funciona de igual maneira. De sua história primitiva o homem nada
sabe; os primórdios de sua história pessoal são uma reconstrução, às vezes
criação de memórias, que preenche vazios, desfaz lacunas, reinventa um bebê
que, em verdade, é projeção do olhar adulto. A memória nasce na passagem da criatura
biológica à criatura humana. “Objetivos
secretos” são expulsos do pensamento tido “normal”.
Nossas
instituições funcionam de igual maneira. Do texto original, que se perde ao
longo do tempo, pouco sobra de originalidade. As instituições humanas também
falsificam sua história, às vezes em prol de melhoras, às vezes em prol de
adequações que escondem “objetivos
secretos” - propositalmente.
“O povo não tem memória” é uma ideia
bastante difundida por aqui, em nossa saudosa Terra Brasilis. Interessante conjugar
a ideia com o fato de que, levando-se em consideração propostas de todos os
tipos, geralmente a escrita torna-se incompreensível, repleta de dados
estatísticos e siglas que pouco dizem ou esclarecem sobre o assunto discutido.
Com o tempo, a própria fala se perde completamente, recriada por uma
virtualidade midiática que, praticamente, reinventa novamente nova história. E
assim vamos em frente: “Quem conta um
conto, aumenta SEU ponto”.
Interessante
também, conjugar a ideia com outro exemplo. Poucas pessoas se debruçam, ou
mesmo têm conhecimento, de que as Sagradas Escrituras, compiladas na Bíblia,
intencionam ser a transmissão da palavra de Deus. Mas qual Deus? Quando levamos
em conta a questão histórica, política, religiosa e, principalmente, toda a problemática
envolvida na tradução ocidental que temos do texto bíblico, ficamos com o mesmo
desconforto: “Quem conta um conto,
aumenta SEU ponto”. A “Palavra”
diz o que a escrita deformou – como aponta Freud, em 1939.
Neste
sentido – e não é ao acaso que utilizo como metáfora o texto bíblico -, nem a
escrita de Freud escapa do engodo. Não só encontramos a problemática,
aparentemente resolvida, de anos de Standard Edition (tradução para o a língua
portuguesa, não do alemão original, mas do inglês de Anna Freud), como também
passamos pelo uso e compreensão diversos, que contemplam os templos da
guerrilha escolástica que predominou nas instituições psicanalíticas – uma
verdadeira “Torre de Babel” (se é que
a história tem alguma procedência, que fique claro). Normalmente, ao discutir
conceitos e a própria clínica, tratando da importante questão do que faz a
Psicanálise e do por que funciona, caímos no velho ditado: “Quem conta um conto, aumenta SEU ponto”.
A citação
freudiana de 1939, bem poderia ter sido de Dostoiévski, na boca de sua criação,
o jovem estudante russo Raskólnikov, ao final de “Crime e Castigo”. Destino
humano? Ou talvez a crítica ética do próprio Raskólnikov esteja démodé,
soterrada por uma lógica perversa do mundo contemporâneo?
Onde está a
verdade histórica? Ninguém sabe, ninguém viu...
Este Ensaio é uma extensão do texto publicado em
14/set/2014 em UM TRANSEUNTE – http://umtranseunte.blogspot.com.br
-, muito em função do cenário político do país do qual sou filho e tento ser
cidadão.
Muito bom ,me ajudou muito.
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